Cidade

Historiador mostra como a vila se tornou Itatiba, que já foi uma das mais ricas cidades do Brasil

A cidade de Itatiba celebra 166 anos. Para conhecer um pouco mais dessa trajetória, o Itatiba Hoje conversou com Luís Soares Camargo, doutor em História Social pela PUC-SP, que prestou informações valiosas a respeito de como se deu a transformação do vilarejo que se desprendeu da Vila de Jundiaí em 1786 para se tornar uma cidade que marca a história do desenvolvimento da região.

Foto: Renato Jr./PMI

Ainda no período colonial do Brasil, principal cidade da nossa região era Jundiaí. Na época, Vila de Jundiaí. Ainda não existiam os municípios. Eram vilas. Várias cidades, como Campinas, que era Campinas do Mato Grosso, pousada de bandeirantes. E Itatiba não foi diferente porque estava também no território da Vila de Jundiaí, às margens do rio Atibaia e tendo uma vila considerável ao lado, que é Atibaia. Depois surgiram Bragança, Amparo. Toda essa região era conhecida como mata ou sertão de Jundiaí. Terras ainda não ocupadas pelo colonizador. Havia índios aqui. Foram encontrados índios da tribo de Guarulhos, que tinham sido expulsos daquela região da Penha, de onde hoje está a cidade de Guarulhos. Então existiam esses povos originários.

O historiador também ensina que indígenas, exemplo dos bandeirantes, tinham o costume de se deslocar sempre. Plantavam numa região, esgotavam o solo e partiam para uma nova região. Sempre adiante. Nosso caipira paulista, o caboclo, é resultado dessa mistura. A terra era boa para plantar.

Foi nesse movimento que doze famílias saíram de Jundiaí e vieram para essa região. O ano era 1786. Foram criados os sítios dessas famílias que resultaram no primeiro núcleo, o primeiro bairro rural da Vila de Jundiaí. Esta situação vai se alterando por conta da fertilidade do solo de Itatiba, que demandou o crescimento. Inicialmente cultura de sobrevivência, principalmente feijão, arroz, criação de porcos, mandioca, milho. Eram sempre culturas rápidas e que não precisam de muito investimento. A população foi aumentando. Mais gente vindo para cá.

Em 1792, o primeiro salto, quando Antonio Rodrigues da Silva, de Jundiaí trouxe, com a esposa Izidora, a imagem de Nossa Senhora do Belém. Aí deu a liga, porque apesar de ser um bairro, cada um tinha a sua propriedade. O primeiro elo entre todos os habitantes foi o culto a Nossa Senhora do Belém. Aliás, isso aconteceu no Brasil todo, ter um culto a uma determinada santa ou santo. A primeira capela foi construída logo a seguir e ali eram realizadas as festas, no bairro do Cruzeiro, que era o sítio de Antonio Rodrigues da Silva, o “Sargentão”. A partir dessa associação afetiva, de sociabilidade, eles formam uma comunidade.

Posteriormente, já entrando no Século XIX começa a tomar corpo a ideia de construir uma cidade. Eram 2 mil, 3 mil habitantes, população rural. E eles, os grandes proprietários, escolhem uma colina para a fundação da cidade. A colina abriga hoje o centro da cidade.

Eles compraram a área toda dos sitiantes, registraram no cartório de Jundiaí e doaram essas terras para Nossa Senhora do Belém. Os terrenos começaram a ser abertos, as primeiras ruas, os primeiros lotes demarcados para a construção de residências. O dinheiro dessas transações imobiliárias ia para a Igreja, com a finalidade de se construir a matriz. Esse foi o início da área central da cidade que depois se expandiu.

Posteriormente começa uma nova fase de crescimento e Itatiba é elevada pela primeira vez, com reconhecimento oficial por Dom Pedro I, a Freguesia de Nossa Senhora do Belém de Jundiaí.

Nesse período ocorre a introdução da cultura cafeeira. O café começa no Vale do Paraíba, vem se expandido pelo atual Estado de São Paulo até chegar aqui, onde há um boom econômico muito grande. Ocorre uma troca da cultura de subsistência pelo café. Só que o café demora um pouco, pelo menos 5 anos para poder produzir. Somente com grandes capitais era possível plantar e esperar a primeira colheita que acontece a partir de 1850.

A condição econômica favorável alavanca a luta pela emancipação da Freguesia de Jundiaí. Os fazendeiros queriam independência.. Em 1º de novembro de 1857, após muita luta e abaixo-assinados que eram enviados para São Paulo, a separação se deu coma criação da Vila do Belém de Jundiaí, lembrando que vila significa município.

Nossa eleição, a constituição da Câmara Municipal, a posse dos vereadores, ocorre em 1º de novembro de 1857 e em relação aos prefeitos, não existia prefeito. Naquela época não existia o poder executivo personalizado na figura do prefeito. É um modelo português de administração das cidades. Até hoje, em Portugal não existe prefeito, mantêm-se ainda nas cidades portuguesas a Câmara Municipal e o presidente da Câmara é que administra a cidade (poder executivo). Posteriormente, a Vila foi promovida a cidade (em 1876) e a modificação de seu nome ocorreu logo em seguida, em 1877, época em que passou a se chamar Itatiba, que significa “Muita Pedra” na língua Tupi.

Com a criação do município são dadas as condições melhores para o crescimento da cidade. A partir de 1857 e até o final do século XIX, Itatiba se posicionou ao lado de Campinas, Amparo e Bragança, um grande eixo de produção de café cultura que depois se expande para Ribeirão Preto e outras cidades. A partir de 1860, se a gente quiser uma data mais precisa, até 1890, Itatiba, Campinas, Amparo, eram as cidades mais ricas do Brasil. Ainda há grandes símbolos daquela fase presentes. A torre da Igreja da Matriz foi construída com capital oriundo do café. A construção da estrada de ferro teve o aporte de fazendeiros para escoamento da produção. Também havia transporte de passageiros e cargas. A estação era ali na Rua Marechal Deodoro, passava pela atual Luiz Scavone, pegava a estrada Romildo Prado e seguia para Louveira.

Elites e escravidão

Naquele momento era uma cidade cosmopolita, que reunia os intelectuais, a elite econômica do Estado, grandes pintores. Em meio a toda essa efervescência, não é possível esquecer da força de trabalho. Quem tocava essas fazendas de café, com o trabalho braçal, eram os escravos. Itatiba teve milhares de escravos. Por volta de 1870/1880, quase 2/3 da população era de escravos, que viviam mais nas fazendas. A presença dos negros deve ser sempre ser lembrada e valorizada. Grandes construções, como a torre da Igreja Matriz foram levantadas pela mão de obra escrava.

“A luta pelo fim da escravidão era intensa. Os abolicionistas e também os escravos lutando pela libertação. Fugas, revoltas, aconteceram muito em Itatiba e nas grandes fazendas da região. A gente pode lembrar da atuação do Padre Francisco de Paula Lima, que empresta o nome ao Museu Histórico. Era um padre natural de Itu, descendente de escravos, um intelectual que atuou muito aqui em Itatiba a partir dos anos 1870. E teve uma luta muito grande ao lado de outros abolicionistas. Eles iam até as fazendas promover a conscientização dos escravos no sentido de lutar pela sua liberdade. A partir de 1880/85, essa luta fica maior, de forma mais clara. Em Itatiba, as revoltas. Houve casos em que os escravos assassinaram seus feitores e fugiram. Outras mais pacíficas mediante fugas. Até 1887, quando o Exército brasileiro se recusa a prender os escravos fugidos. A escravidão agonizava. Poucos fazendeiros não aceitavam o fim do regime escravocrata. Aos poucos os fazendeiros foram libertando seus escravos, em dezembro de 1887, começo de 1888. Não houve libertação em massa. Em abril de 1888, devido à luta dos abolicionistas, associações, vereadores no convencimento de que os escravos fossem libertados, em abril de 1888 se constatou que Itatiba não tinha mais escravos. Nos dias 28 e 29 de abril se preparou uma grande festa de comemoração na cidade. Hoje, a Avenida 29 de Abril marca esse evento.

Italianos substituíram o trabalho escravo?

“A gente aprende isso na escola. Substituir como? Morreram todos os escravos? Penso eu, por uma razão que é muito discutida hoje, houve uma política governamental de embranquecimento da população em nível nacional. Empresas organizavam a vinda de imigrantes europeus, italianos principalmente. Eles desembarcavam em Santos. Os fazendeiros de Itatiba iam lá escolher as famílias que viriam para a cidade.

Itatiba mudou muito. Hoje, por exemplo, 120 mil habitantes, nós temos uma população com nossos irmãos do norte, do sul, mineiros, paranaenses, nordestinos formam esse caldeirão cultural”, sentencia Luís Soares de Camargo.

História presente

Itatiba é muito bem localizada, a 80 quilômetros de São Paulo, a 20 quilômetros dos grandes centros, com ligação por estradas, aeroportos muito próximos, fatores que beneficiam o desenvolvimento. Uma área rural muito grande, o suficiente para abrigar a parte agrícola e possibilidades importantes para o turismo. A cidade é muito procurada para eventos de casamento. Proprietários de diversas fazendas têm preparado estruturas que atendem a essa demanda. Isso movimenta floristas, salões de beleza. Hotéis em Itatiba estão todos lotados aos finais de semana Isso já virou uma marca turística no Brasil inteiro. “É chique casar em Itatiba”. Há sedes de fazendas belíssimas, casarões de arquitetura do século XIX. Eventos corporativos começam a ganhar espaço. Esssa tendência já se espalha por cidades vizinhas, como Morungaba e Louveira.

Itatiba já foi a capital dos móveis coloniais, faz parte do conhecido Circuito das Frutas e concilia preservação, aquilo que é de turismo, das frutas, junto com a área industrial.

A troca economia da lavoura cafeeira pela indústria, nos anos 40, foi um grande salto. Houve a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 que afetou o mundo todo. Aqui em Itatiba e cidades da região com economia baseada na monocultura do café não tinham como vender. Os produtores perderam tudo. A cidade estagnou e perdeu muitos habitantes nos anos 1930/35. Até que chegam as indústrias. Duas em destaque: uma da família Scavone, que já tinha a fábrica de fósforos e depois despontou com o Lanifício Scavone; e o empresário Paulo Abreu, que veio para Itatiba e montou as indústrias Pabreu. Claro que houve outros.

A indústria moveleira veio mais tarde, nos anos 1960. O empresário José Chadad, antiquário em São Paulo, compou uma propriedade em Itatiba e percebeu que pela Avenida 29 de Abril passavam muitos turistas que iam para estâncias turísticas, como
Águas de Lindóia. Ele começou a colocar à venda reproduções de móveis de decoração em estilo colonial. O sucesso o levou a criar uma indústria de móveis e o negócio passou a atrair muita gente, a ponto de as avenidas 29 de abril e Luiz Scavone ficarem lotadas de gente interessada em comprar os tais móveis. Isso movimentava outros negócios, como restaurantes e serviços de atendimento às multidões que se formavam principalmente aos finais de semana.

Forte tradição cultural

Itatiba foi das primeiras cidades a ter teatro, o Teatro São Joaquim onde hoje é a Praça José Bonifácio, o prédio não existe mais. A Banda Santa Cecília é de 1906 e manteve a tradição. Hoje são realizadas grandes festas da cidade. E a existência de uma grande quantidade de artistas na música é motivo de orgulho. É um celeiro que chama muito a atenção. Itatiba é um celeiro musical, de intérpretes, de compositores, de bandas ou de artistas solo. A única coisa que eu acho que falta em Itatiba é uma sala ou centro cultural para exposição de artes plásticas. Uma galeria, raciocina o historiador.

A cidade tem três grandes parques: da Juventude Parque Linear e o Parque Ferraz Costa que têm equipamentos para eventos ao ar livre Poucas cidades com o porte de Itatiba têm três grandes parques.

O Teatro Ralino Zamboto serve a população com eventos gratuitos ou de empresários que vêm junto às entidades assistenciais trazer grandes peças. Um dos melhores teatros da região. o conservatório que forma novos músicos, aulas gratuitas.

Sobre a exposição que revela a trajetória dos prefeitos da cidade de 1908 a 2023, em cartaz no Museu Municipal Histórico de Itatiba, o historiador, que é secretário de Cultura e Turismo de Itatiba, disse que uma frase resume a pesquisa realizada: “Não foi fácil para nenhum deles”. A gente costuma romantizar o passado, dizer que era tranquilo, que era melhor. Disputas políticas, desafetos sempre existiram.

À pergunta se cidade de Itatiba chega bem aos 166 anos, responde Luís Soares de Camargo: “Sem dúvida. Se hoje chega a esse momento, mais de 120 mil habitantes, em pleno progresso, em pleno desenvolvimento, é porque deu certo”.

Por Cid Barboza – Foto: Renato Jr/PMI