Exposição marca a história de pessoas negras desde séculos atrás em Itatiba
Batizada de “Ói Nóis Aqui”, a exposição reúne fotos transformadas em grandes painéis
Uma exposição de fotos sobre a presença de pessoas negras no cotidiano da cidade de Itatiba desde o final do século 19 até os anos 50 e 60 foi aberta na última segunda-feira (29) no Museu Histórico Municipal Padre Francisco de Paula Lima, na Praça da Bandeira, centro da cidade.
Batizada de “Ói Nóis Aqui”, a exposição reúne fotos transformadas em grandes painéis. O jornalista e fotógrafo Rogério Scavone cedeu as imagens para a Secretaria da Cultura e Turismo concretizar a mostra. Ele é responsável pela manutenção do acervo da Foto Parodi, que conta com mais de 100 mil fotos que mostram vários aspectos da história da cidade. Segundo ele, o acervo deverá ser transferido para a Prefeitura. As conversas estão em andamento.
O secretário de Cultura e Turismo, Luís Soares de Camargo, idealizou a mostra sob a ótica de historiador que pesquisa todos os estratos sociais e econômicos e concorda com a tese de que, de um modo geral, as memórias e realizações das pessoas negras foram sistematicamente apagadas e é necessário resgatar isso. Para exemplificar ele cita o caso da Igreja do Rosário, que originalmente é Igreja do Rosário dos Homens Pretos. “Muitas cidades coloniais antigas tinham a igreja matriz, frequentadas apenas pelos brancos, e as comunidades negras erguiam e administravam suas igrejas sob a organização das irmandades do Rosário dos Homens Pretos. Em Itatiba não foi diferente, mas com o passar do tempo a referência ‘dos Homens Pretos’ foi suprimida. Essas fotos evidenciam a presença negra nas fábricas, escolas, tocando na banda. Estamos fazendo uma homenagem aos negros de Itatiba. Todos nós somos personagens da história”.
A abertura da exposição no dia 29 de abril teve um motivo especial. Foi nesta data que em 1888 Itatiba encerrou oficialmente o ciclo da escravidão, antes portanto da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, em 13 de maio.
Encontro com o passado
Entre as pessoas que prestigiaram a abertura da mostra, o presidente do Clube 7 de Setembro, Antonio Messias de Lima, estava muito emocionado porque num dos painéis reconheceu o tio Carlos, irmão do pai dele, num comício na Praça da Bandeira em 1950. Uma outra foto, de um curtume, trouxe a lembrança do pai que trabalhava lá e morreu jovem, vítima de uma pneumonia contraída por causa das condições inadequadas de trabalho. O tio Carlos passou a ser visto como figura paterna. O Clube 7 de Setembro foi criado em 1958 para proporcionar lazer e convívio social para os moradores negros de Itatiba, que não podiam frequentar os clubes “dos brancos”. A sede só foi concluída nos anos 70 graças à conquista de uma área junto à Prefeitura e o esforço coletivo para a construção. Hoje, o 7 de Setembro é um espaço de portas abertas a todas as pessoas, independente de cor, raça, religião.
Entre os representantes do Quilombo de Brotas, primeiro quilombo urbano a ser reconhecido oficialmente no Brasil, estava Liziane Aparecida Barbosa. Ela afirma que em Itatiba praticamente todas as famílias negras têm alguma ligação com o quilombo. Sobre a importância da mostra, ela defende que a cidade precisa de mais cultura negra e a exposição faz com que os olhares se voltem para isso. “Eu quero mais representatividade, mais visibilidade, que as pessoas nos enxerguem não apenas em datas comemorativas. Nós estamos aqui, ajudamos a criar isso aqui e vamos permanecer”.
Resistir e lutar
Luciana Henrique trabalha na Secretaria da Cultura e Turismo e é uma liderança e ativista de causas sociais desde 1996. “Quando ninguém falava sobre essas coisas estávamos aqui fazendo coral, falando da África, tentando fazer a criançada dar uma acordada. Já tentamos juntar coisas indígenas, negras mediante contação de histórias, ciranda, jogos, brincadeiras, roda africana círculo de cultura, poesia, E esse grupo tem quase 80% de pessoas negras atuando no Coletivo Campo dos Sonhos e no Projeto Centro de Artes e Educação Informal (CAEI)”. Para Luciana Henrique, a população negra ainda está sub representada nas esferas econômica, acadêmica, social e política, o que indica a necessidade de muita luta pela frente.
Capoeira, canto e dança
Uma atração à parte no evento foi a roda de capoeira comandada pelo Mestre China, o contra mestre Preto e o professor Wolverine. Um grupo de homens, mulheres e crianças se reuniu no pátio do museu e ao som de atabaques e berimbaus deu um verdadeiro show entoando canções quase sempre transmitidas na tradição oral que vence o tempo e preserva tradições.
Durante quase duas horas os participantes se revezaram exibindo habilidades nessa luta que, no passado, era mascarada como dança quando na verdade se constituía numa forma de defesa dos escravizados. Após as lutas, aí sim uma sequência de danças e cantos para celebração e encerramento da abertura da exposição “Ói Nóis Aqui”, que vai até o final de maio, aberta gratuitamente ao público no Museu Histórico Municipal Padre Francisco de Paula Lima, na Praça da Bandeira, de terça-feira a domingo, das 10h às 17h.
Por Cid Barboza/Itatiba Hoje – Fotos: Divulgação